segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Um anjo nos visitou

À Bruna

Dezembro.
Um anjo nos visitou.
Deixou o berço celeste e
Pisou esta terra inóspita.
O motivo de sua vinda?
Insólito!
Renovar nossa esperança
E fortalecer nossa fé;
Mostrar-nos que podemos, queremos
E devemos amar intensamente,
Sem esperar (d)o amanhã;
Sonhar, tão-somente por existir;
Reafirmar nossa insipiência;
Mostrar-nos que somos humanos,
Frágeis e, apesar de todo o conhecimento,
Pouco sabemos dos mistérios que sondamos.
Consternação,
Vazio,
De uma noite que obscureceu o dia,
que não nasceu,
E não nascerá.
Dezembro,
Partidas e chegadas...
Saudades!

(Ênio César de Moraes) 

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Sintaxe de uma vida feliz

Que você seja sempre um sujeito simples,
Ainda que composto por ideais coletivos,
Pensamentos complexos e indeterminados;
Que seja agente nos momentos decisivos,
Paciente nas tormentas
E reflexivo nos conflitos;
Que seu núcleo seja um substantivo abstrato, porém concreto — amor;
Que seja determinado por adjuntos adnominais positivos
E complementos nominais significativos;
Que seu verbo seja nocional e suas ações, marcadas pela intensidade,
recebidas, direta ou indiretamente, por objetos dignos de atenção,
Independentemente de tempo, modo, lugar
E de quaisquer outros adjuntos adverbiais;
Que seus predicativos sejam de bondade, respeito e solidariedade;
Que seu aposto resumitivo seja: uma pessoa íntegra e feliz;
E, finalmente, que o vocativo da sua vida seja Deus.

(Ênio César de Moraes) 

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Declaração de amor

Amo-te como a mim mesmo
Amo-te como és, sem retoques
Amo-te incondicionalmente
Como a mãe ao filho
Como o peixe à água.
Amo-te com segundas e terceiras intenções
Sem esperar nada em troca
Senão seu amor, seu carinho, seu ser.
Quero-te despretensiosamente
Tal qual o alpinista à montanha
A flor à brisa
O mar à areia.
Espero-te como uma criança ao novo brinquedo
Como um adolescente ao primeiro beijo
Como o detento à liberdade.
Em outras palavras, simplesmente, amo-te.

(Ênio César de Moraes) 

sábado, 30 de agosto de 2008

Abaixo a lógica!

Quero causas sem conseqüências;
Conseqüências sem porquês.
Quero um mais um igual a infinito;
Quero ir à farmácia pra comprar sorvete,
E tomar remédio para adoecer.
Quero antes sem depois;
Hoje sem amanhã.
Quero subir e não descer;
Vir sem ter ido;
Acordar sem dormir.
Quero a palavra ininteligível, incoerente,
Insana, inconseqüente ―
ILORADINACERDIRA.
Quero uma ação inerte;
Um sorriso de sofrimento;
Jogar para perder.
Estou farto da lógica, do lugar-comum.
Quero viver, perigosamente, à mercê do inusitado.

(Ênio César de Moraes) 

sábado, 26 de julho de 2008

Contra o tempo

A Marlon Pet

Olho para um lado,
Olho para o outro lado,
Estou ilhado.
As pessoas à minha volta, absortas,
Seguem seu caminho
E não percebem minha angústia.
Então, volto-me para mim mesmo
E busco respostas,
Porém, em vão o faço,
Minha mente está confusa,
Os números e as palavras misturam-se
O tempo, meu algoz, me açoita.
O que fazer?
Sinto-me vigiado.
E o futuro, este monstro assustador
Que me envolve em um círculo, vazio,
De repente se faz presente:
“— Tempo esgotado, hora de entregar a prova!”

(Ênio César de Moraes) 

quarta-feira, 25 de junho de 2008

Literariamente

Às vezes, sou barroco: sinto-me torturado pelo desejo de comer a maçã,
Pelo medo de prestar contas ao Dono do pomar,
Pela efemeridade da vida;
Às vezes, sou árcade: alimento a utopia de uma vida simples e calma,
Longe da “azáfama sacrílega” da cidade grande,
Apesar de me deleitar com tudo que esta me proporciona;
Às vezes, sou romântico: às vezes, vejo a vida com os óculos da idealização
E, como num passe de mágica, até o que é triste fica bonito
— “Até os urubus são belos, no largo círculo dos dias sossegados”;
Mas, na maior parte do tempo, sou realista:
Não fecho os olhos às mazelas humanas;
Também sou naturalista, afinal, “em terra de sapos, de cócoras com eles”;
Às vezes, sou parnasiano: amo o belo e sou, rigorosamente, formal;
Às vezes, sou simbolista: não raro, viajo pelos recônditos da minh’alma;
Às vezes, sou moderno: aborrecido com a mesmice, busco o inusitado.
Em outras palavras, quase sempre, sou humano.

(Ênio César de Moraes) 

quarta-feira, 28 de maio de 2008

Em um segundo

Num átimo de insanidade
Com torpor e sofreguidão
Um olhar voluptuoso e ingênuo,
Impregnado de ternura e devoção.
Estamos sós, temos o mundo em nossas mãos.
Apaixonadamente, transcendemos,
Sorvemos a seiva da vida
Como quem tudo vê pela primeira (ou última) vez.
Sem máscaras, ousamos ser quem realmente somos
E nos perdemos na infinitude de um segundo,
Instante em que perigosamente
Experimentamos a felicidade plena.

(Ênio César de Moraes) 

domingo, 27 de abril de 2008

Mãe

De Deus, a mais linda critaura;
Do amor, a eterna jura;
De todo mal, a cura;
O bem que sempre perdura.

(Ênio César de Moraes) 

domingo, 23 de março de 2008

Meu silêncio

Quero te envolver no meu silêncio
Me perder no teu silêncio
Que minha boca silencia.
Mergulho no silêncio da noite
Viajo nas asas da fantasia
Ouço a voz do teu silêncio
Que me cala, que me fala de ti.
Cala-te, não digas nada!
Ouve-me apenas.
Se me calo, não te perturbes - sou assim!
Aprende a ouvir meu silêncio
E saberás muito mais de mim.
Mais de mil palavras...
Meu silêncio fala mais
(Pode o silêncio falar?)
Não respondas!
Pensa!
Cala-te!
Tanta coisa a dizer...
Pra que dizer?
Tudo já foi dito.
Para o bom entendedor
O silêncio basta!
E para quem ama não é preciso falar...
Basta um olhar no silêncio...
Cala-te, não digas mais nada, ouve-me apenas!

(Ênio César de Moraes) 

sábado, 1 de março de 2008

A aventura de viver

Quanto vale uma vida?
Depende do mercado, do valor do dólar, do preço do petróleo,
Da marca do carro, da opinião e do humor do comprador
E, especialmente, da estação do ano.
Sim, da estação do ano!
Na primavera, a vida é mais cara:
Sonhos brotam, outros florescem,
Os dias se enchem de esplendor;
No verão, o comércio se agita,
Recrudesce a ousadia,
O tempo murmura “carpe diem”
Como se o fim estivesse sempre próximo;
No outono, os ânimos arrefecem,
Idéias amadurecem, ilusões perecem
E a vida recupera seu valor;
Já no inverno, a vida se torna mais rara,
O tempo, a maior riqueza que se almeja,
É moeda de troca, assim como a experiência.
Mas, hoje, na feira livre da vida, não importa quando,
Perambulamos conformados e
Estampamos no rosto, com as tintas do medo e da impotência,
Os dizeres: vida à venda.

(Ênio César de Moraes) 

sábado, 26 de janeiro de 2008

Natureza morta

O mar, indócil, agonizante,
expurga de si os corpos estranhos,
regurgitando na areia o fel
que a natureza torta lhe impõe.
Na água, as pegadas humanas:
óleo, esgoto, latas, garrafas
e outras tantas marcas indeléveis
de uma irracioburrignoratrocimbecilidade
autodestrutiva.
“Que cena infame e vil... Meu Deus! Meu Deus! Que horror!”

(Ênio César de Moraes)