sexta-feira, 30 de novembro de 2007

Questão de jeito

Dez minutos já se haviam passado e nada: o parafuso não entrava. E o pior é que era sábado e ele havia planejado sair do trabalho às quatro para encontrar-se com uma garota a quem conhecera no dia anterior. Já eram seis e quarenta e cinco, o sol já se rendera à força da noite, que prometia, dada a sua formosura. E nada de o bicho entrar.
O cliente estava inquieto, pois a loja havia marcado a entrega do carro para as quatro horas, horário normal de fechamento — quando nenhum parafuso emperra.
De pensar que, há dez minutos, respirava aliviado, afinal, depois de tanto serviço, sob pressão, bastava parafusar a peça e pronto, estaria livre. Mas, no exato momento de fechar com chave de ouro (isto é, de fenda) seu trabalho, surpresa... Tinha uma pedra no meio do caminho! Como podia uma peça tão insignificante causar tamanho aborrecimento?
O proprietário do carro, uma pessoa sensível, que não gostava de incomodar, compartilhava, silencioso, o seu drama, vendo-o suar (de cansaço ou de raiva), e torcia para que o embate se desse logo por encerrado. “Agora vai”, pensava ele, mas o maldito parafuso não ia. E ele meio que “consolanimava” seu quase amigo com um “Tá de rosca, hein!”. Ao que o jovem rapaz, descrente, respondia com um sorriso amarelo.
“Se não entrar agora, o jeito vai ser desmontar tudo e remontar”, afirmou categoricamente enquanto lubrificava o danado. A fala contundente do profissional estremeceu a todos, afinal era inimaginável, depois de toda a mão-de-obra, àquela hora, recomeçar o serviço. A expectativa aumentou dramaticamente, e os espectadores que acompanhavam a pendenga — os mecânicos solidários, o dono da loja e o inoportuno cliente — fizeram uma espécie de corrente. Parecia pênalti decisivo em final de campeonato.
E lá foi ele. Enrosca um pouquinho e mais um pouquinho e... entrou! A alegria foi geral, era inacreditável, por sorte ou pelo jeito, o parafuso cedeu e encaixou direitinho no seu lugar. A última peça estava fixada, e todos poderiam voltar descansados para suas casas. Alguém mais atento e menos emocionado conseguiria até enxergar uma discreta lágrima que insistia em rolar no rosto daquele trabalhador, que chegara a fazer promessa para que aquele teimoso tarugo obedecesse ao seu comando.
Tudo pronto. Conta acertada, gorjeta generosa dada, agradecimentos... Todos, felizes, deixaram a loja. Nosso amigo, o mecânico, conseguiu mais uma vitória ao, após uma hora e meia de desculpas e explicações, convencer sua pretendente a sair com ele, e a noite foi realmente muito proveitosa.
Ele só não esperava é, na segunda-feira, bem cedo, encontrar na loja aquele automóvel que lhe trouxera tanto problema e que, talvez por isso, foi avistado de longe. “Será que algo deu errado?”, perguntava-se ele. Foi uma grande surpresa ouvir, por ironia do destino (e pela opinião de um dos filhos do homem), que o acessório ficaria mais bonito sem aquela última peça.
Nosso herói não se deixou abater, pois, naquele duelo, já ficara comprovado quem comandava. Solicitamente orientou que o carro fosse colocado no elevador e sentiu-se à vontade para dizer: “Eu também acho que fica bem melhor sem, mas não quis dizer nada para que o senhor não pensasse que era por incompetência minha”. E, decidido, pegou aquela mesma chave de fenda e pôs-se a destorcer o parafuso. Uma volta, duas voltas e... — adivinha! — o dito-cujo quebrou.

(Ênio César de Moraes)