sábado, 29 de setembro de 2007

A arte de conviver

Em silêncio, trava uma luta insana, terrível,
Contra um inimigo incomparavelmente mais forte,
O desconhecido.
Angustiado, fecha-se para o mundo.
Em seu mundo,
Sente-se ilhado, incompreendido.
Ferido, sem saber onde nem por quem foi atingido,
Simplesmente convive com a dor.
Aturdido, vive a tristeza de “odiamar”:
Perto de quem ama, quer respirar, viver;
Longe de quem ama, pensa que vai morrer.
Irrita-se com a vida, com a incerteza do amanhã
E gasta seus dias ruminando atitudes e pensamentos,
Sopesando cada passo de uma caminhada longa e torturante.

(Ênio César de Moraes) 

sexta-feira, 7 de setembro de 2007

CIRCO SEM PÃO

“Um por todos e todos por um!”
Entre mesadas, malas e cuecas fartas e presentes generosos,
protagonistas de uma grotesca e desastrada pantomima,
nossos mosqueteiros modernos procuram obscurecer
o que está explícito, com explicações — interessantes, é verdade! —
para tudo aquilo que há pouco rechaçaram
e condenaram com veemência.
Se o poeta é um fingidor, o político é poeta,
que, no afã de provar sua honestidade, chega a acreditar que seja honesto.
Triste sina é a do povo, esse fantoche que, eleição após eleição, governo após governo,
esforça-se por crer que tudo será diferente e não percebe que,
nos bastidores, nossos artistas comemoram, unidos, o sucesso de cada nova apresentação
no patético picadeiro que se tornou o cenário político do País.
Esse espetáculo bem que poderia parar!

(Ênio César de Moraes) 

terça-feira, 4 de setembro de 2007

Racionalmente emotivo

Os caminhos se cruzam,
As vidas se entrelaçam
Para nunca mais serem as mesmas.
Palavras simples, frases bobas, gestos pueris
Renascem, e a vida, de repente, passa a ter sentido.
Coisas velhas e esquecidas ganham roupagem nova,
As cicatrizes deixam de doer,
O coração empedernido de outrora
Volta a pulsar involuntariamente.
E o longe faz-se perto,
O impossível ganha possibilidade.
O que era trágico fica cômico,
O que era tudo vira quase nada.
A emoção e a insensatez voltam a reger
A razão, que se acovarda, se esconde
E arquiteta com sua mais fiel companheira ―
A lógica ― o contragolpe indefensável que, oportuno, lhe restituirá
A função perene de dar
À vida, essa torta apetitosa, um gosto amargo de soro caseiro.


(Ênio César de Moraes) 

sábado, 1 de setembro de 2007

Primeiros passos

Ao André

De súbito, ele ensaia os primeiros passos.
A alegria de caminhar com as próprias pernas
é bem maior que o medo de cair.
Seu sorriso inocente (ele ainda não fala o nosso idioma)
diz “Mundo, aí vou eu!”.
Os gigantes, que têm a memória curta, contrariam
a natureza humana e obstruem o caminho,
desafiando ainda mais o nosso ingênuo e impetuoso desbravador,
que não toma conhecimento dos perigos de cada nova jornada.
Melhor assim, a consciência e o medo, muitas vezes,
impedem-nos de extrapolar nossos limites.
Nem por isso deixamos de ser felizes, afinal, a vida é um mistério,
repleta de “ses”, que povoam nosso imaginário e dão a medida da nossa (in)felicidade.
Vá em frente, destemido herói, e lembre aos que se acovardam ante os
obstáculos da caminhada que nossas aventuras mais interessantes
foram vividas nos momentos em que ignoramos
esta maravilhosa e assustadora faculdade:
a razão.

(Ênio César de Moraes) 

Esperança que (se) renova

Chove lá fora, um dia mais nostálgico do que feio.
Um dia como tantos outros: uma criança nasce, outra morre;
pessoas comemoram mais uma primavera, outras agonizam nas filas dos hospitais, jazem sobre o asfalto, choram a perda de um dos seus;
alguns festejam a aquisição de um imóvel ou de um novo automóvel, enquanto alguém definha sem ter o que comer;
casais celebram mais um ano de vida conjugal, outros sofrem com a separação;
estudantes regozijam-se com uma festa de formatura, no momento em que alguns sentem o gosto amargo da reprovação;
um time vibra com o retorno à série “A” do Campeonato Brasileiro, enquanto um segundo amarga a derrota e/ou o rebaixamento para a série “B”;
uns festejam a liberdade, outros penam nas mãos de bandidos.
Ao fundo, a canção diz “Não chores mais... tudo, tudo vai dar pé”.
Eis o mistério da vida! Apesar de toda a hostilidade do mundo, algo nos mantém vivos e esperançosos de que dias melhores — que talvez nunca venham — tragam-nos a paz e a felicidade que julgamos merecer.


(Ênio César de Moraes)